Sua indicação para o governo foi, ao mesmo tempo, grande surpresa e motivo de comemoração. Surpresa pela falta de engajamento político; comemoração porque é o único, no primeiro escalão, que nunca respondeu inquérito ou processo judicial.
Porém, bastou seu nome ganhar vulto para a artilharia da oposição se voltar contra ele. O Sistema é mesmo cruel. Verdadeira máquina de moer reputações. Reviraram sua vida em busca de indícios de fraude para tê-lo sob rédeas curtas. Analisaram o ultrassom no ventre materno, o boletim do jardim da infância, carteirinha de vacinação e nada foi encontrado.
Ernesto N’Aminha viveu sempre “na dele”. Não mostrava a língua para a professora, nunca teve uma multa de trânsito, pontos na carteira, nem faltou ao trabalho. Jamais entrou no cheque especial, nunca deveu ou teve título protestado. Religioso, quando vai ao confessionário, é comum o padre deixar o posto e pagar a penitência em seu lugar.
Ficou surpreso com sua indicação. Pensou em recusar, mas a esposa ponderou: você diz que o Governo faz tudo errado e quando te chamam para consertar, você recusa? Ele decidiu aceitar o desafio.
Por não ter filiação partidária, caciques políticos não conseguiram emplacar nomes para o time e abocanhar o vultoso orçamento. No Governo, todos querem saber quem manda mais, quem tem poder. Engana-se quem pensa que o nome do cargo importa. Poderoso mesmo é quem libera verbas ou contrata obras. Nesses quesitos, nada melhor que o cargo de Ernesto N’Aminha.
Ele quer prestigiar os funcionários concursados, sempre preteridos pelos arranjos políticos. Pediu uma lista de candidatos para as oito diretorias e as cinco autarquias diretamente subordinadas à pasta, três currículos para cada vaga. Impôs uma única condição: nenhuma condenação, inquérito ou processo nos últimos anos.
Há uma semana da posse, recebeu menos currículos que o número de vagas. Impressionou-o a ficha de Alaor Samento, que apesar de várias suspeitas, não teve qualquer anotação nos últimos 2 anos. Ernesto quis entrevistá-lo, mas soube que está em coma há 25 meses, o que explica o comportamento exemplar. Porém, mesmo em coma, Alaor Samento foi arrolado em duas Is.
A posse foi concorrida. Todos queriam saber quem integraria sua equipe e quais os projetos da pasta. O aguardado discurso durou menos de dez minutos, oito deles dedicados à citação dos nomes de autoridades que o Protocolo exige. O texto teve palavras fortes: Corte de Gastos, Transparência, Ética e Eficiência istrativa. Como não conseguiu pessoas que satisfizessem sua única exigência, o jeito foi acumular funções. A todos que pediram liberação de verbas, tinha duas respostas: A resposta curta: Não! A longa: De jeito nenhum!
A Mídia aguardou ansiosa o balanço dos primeiros 100 dias de governo. Diria o Barão de Itararé, “Quando menos se espera, aí é que nada acontece”. E nada aconteceu! Ernesto N’Aminha trancou o cofre e não liberou verbas nem obras até analisar cada projeto. Enquanto isso, em todo o Governo, corrupção corria solta e sem acompanhamento pela mídia, totalmente dedicada às ações de Ernesto.
Com a istração engessada, obras paralisadas, verbas retidas e insatisfação geral, Ernesto viu seu nome envolvido em negócios escusos, escândalos públicos, inquéritos policiais e uma I. Surgiram contas no exterior, dólares na cueca de um office boy, mensagens comprometedoras e uma amante misteriosa. Nos inquéritos e na I, saiu-se muito mal. Não sabia de nada, não respondeu coisa alguma e não resistiu: foi exonerado. Em despacho com um assessor, o presidente desabafou:
- Poxa, como esse cara foi parar num Ministério tão estratégico?
- O senhor disse que queria alguém honesto.
- E quem indicou esse cara?
- Recebemos o currículo com um bilhete: Não encontramos honesto. Tem Ernesto. Serve? O senhor estava levemente alcoolizado e aprovou.
O coma de Alaor Samento era fajuto, só para escapar à Justiça. Ele se recuperou e substituiu Ernesto. Tudo se normalizou: fraudes, negociatas, maracutaias, lobistas e empreiteiros circulando pelos corredores e propina paga em dia. O país voltou!
Ernesto N’Aminha divide sua breve carreira política em duas partes: metade são coisas que não se lembra e metade coisas que quer esquecer: casamento desfeito, casa penhorada e contas bloqueadas. Após três anos em prisão domiciliar, com tornozeleira, todos os processos foram arquivados por falta de provas. Até a amante misteriosa era fake. Porém, tudo aquilo foi demais para ele.
Pouca gente foi ao enterro, no mesmo dia em que Alaor Samento assumiu o governo. Seu único pedido foi uma lápide com a inscrição: “Ernesto, o honesto, condenado porque sabia de menos”. Como ninguém pagou a taxa de manutenção, o túmulo foi desapropriado e seu nome negativado post mortem. O sistema é mesmo cruel!